Sobre o álcool

Me preocupo com a juventude desregrada do século XXI. O mundo do álcool e das drogas dragou a nossa garotada, envolvendo-os em um turbilhão vicioso de vodka, vinho, leite condensado, tequila, limão e uma pitada de sal. Por isso, estou escrevendo uma peça para ilustrar as intempéries enfrentadas por quem se entrega à orgia.

Acompanhem comigo.


Ato 1, Cena 1: Num apartamento do bairro de Ondina, em Salvador, um jovem de 22 anos dorme espalhafatado numa colchão de solteiro improvisado. Seu nome é Fernando. O seu amigo Carlos João (o “Caju”), 21 anos, já está acordado e lavando parte da louça que sobrou do dia anterior. Até que em um dado momento, Fernando acorda, emitindo um som angelical ao se espreguiçar:

    – RAaAaaaAwmnrr. Mhnmiom.

Carlos percebeu a movimentação e se manifestou.

    – Aê! Acordou, Bela Adormecida?
    – Rmszvsml.
    – Levanta aí, daqui a pouco eu vou pedir pizza..

Fernando levantou do colchão, desgostoso, e foi escovar os dentes. Sentia uma dor de cabeça estranha

    – Ô Cuju!. Que hurus sum?
    – Meio-dia, pivete. Meio-dia. Mas eu achei melhor deixar você dormir porq…- O QUE?! – cuspiu violentamente o unguento de pasta e saliva na pia – Tô atrasado pro trabalho, Caju!

    – Que trabalho, Fernando?

    – Que trabalho? Trabalho-trabalho, Caju! Aquele que dá o leite das criança, Caju!, meu filho! Esqueci de terminar o projeto, meu Deus do céu, o chefe vai me arrancar o couro cabeludo!

    – Fernando, hoje é domingo.

    – Ai Jesus, meu emprego, a Emília tá gravida e…

Parou e se deu conta do que seu amigo havia dito.

    – Peraí. domingo?
    – É.- Se hoje é domingo, então ontem não foi quarta?

    – Duvido muito.

    – Como que ontem era sábado e eu não lembro, Caju?

    – Sei não. Pergunta pra Cátia!

Fernando então entendeu. “Cátia” era o codinome para “cachaça”, e naquela turma de amigos uma frase como a de Caju explicava tudo. O dia anterior havia sido então de uma bebedeira incalculável, que deixou como resquícios na sua mente uma enxaqueca intermitente e a sensação de vazio na memória RAM do seu cérebro – as lembranças recentes haviam volatilizado como acetona ao sol.

    – Puuuuta que pariu, como é que você deixa eu beber desse jeito, cara? Nem lembro qual foi a última vez que eu fiquei mal desse jeito.
    – Ah, você tava insistindo demais, dizendo que não ia beber muito, que nãoseioque…

Após uma longa discussão sobre a não-valdez das promessas desesperadas de um homem sedento por álcool e a confiança ingênua dos seus amigos, Fernando surgiu com uma dúvida:

    – Caju, onde é que a gente tava?
    – No bar do Feijão.

A frase soou como uma bomba na sua cabeça, e o seu estardalhaço ensurdecedor ecoou pelas suas entranhas.

    – Cê tá brincando comigo.

O Feijão era velho amigo da família de Fernando. Apesar do que o apelido possa sugerir, Feijão não era negro – o apelido veio de um fatídico dia no qual ele comeu 6 pratos cheios de feijoada. Se a aparência física fosse o determinante do seu apelido, certamente ele seria apelidado de “Manoel”. Muito gordo, ostentava um bigode volumoso que mal lhe revelava os lábios, e era parcialmente calvo – o típico estereótipo de “português da padaria”.

Era às vezes constrangedor ir beber lá, porque o dono bonachão se portava praticamente como um pai, tentando fazer com que Fernando se sentisse em casa. Dava bebida de graça, e sempre reservava a melhor mesa do bar, com a melhor vista da TV, com o maior fluxo de garçons, etc. Embora Fernando não soubesse, esse tratamento não era privilégio dele. Na verdade, Feijão fazia isso com vários clientes, independentemente de quanto tempo o conhecia e de nível de confiança. Era um mistério o fato daquele bar não ter falido ainda.

Mas era de bom feitio não beber muito no lugar. Fernando, por exemplo, era do tipo que tinha vergonha de encher a cara sem pagar nada. Já outros frequentadores do bar não se faziam de rogados, e se aproveitavam da benevolência do dono para se esbaldar com os fermentados e destilados gratuitos.

Ato I, Cena II:  Caju conscientiza Fernando do que aconteceu. Os pratos estão lavados, e ele procura no catálogo o telefone da pizzaria da promoção “peça uma, leve duas”. Mal sabia ele que a pizzaria descontava o preço todo no refrigerante.

    – Tô brincando não, Fernando. Você bebeu demais. Cerveja, tequila, caipirinha, até rum, que você apostou comigo naquele dia que nunca ia beber, lembra? Falando nisso, você me deve 100 reais.- Tá, depois a gente vê isso. Agora, venha cá… Por acaso vomitei?- Rapaz, pergunta pra Cátia!

    – Tô falando sério, Carlos.

    – Ui, que revolta! Então tá, eu falo. Vomitou sim, a gente passou vergonha lá. Claro que o Feijão sempre trata você bem e nem ficou chateado, mas você saiu correndo que nem um louco e vomitando, sujou metade do bar e algumas mesas que já estavam servidas e tudo.

Fernando mal podia acreditar na sua imaturidade do dia anterior. Ele já tinha feito coisas como essa em ocasiões anteriores. Como toda pessoa que toma um porre. Faz besteira, e no dia seguinte não lembra de nada, ele prometeu não beber mais. A única diferença era a verdadeira força de vontade que ele tinha, que o fez ficar mais de 1 ano bebendo apenas socialmente, em eventos importantes. A visita no bar do Feijão havia sido uma recaída, e das grandes. Após uns segundos de silêncio pensando, ele disse:

    – Caju, eu preciso ir lá.
    – Oxe! Fazer?!- Pedir desculpas pro Feijão.

    – Aah Nando, que nada! O cara te mima mais do que sua mãe e você fica aí preocupado. Ele tava foi rindo ontem da sua cara.

    – Mesmo assim, eu espantei parte das pessoas que tavam lá, devo ter causado prejuízo.

    – Hum. Isso é.

    – Então… Eu vou lá. Hoje mesmo de noite. Se quiser ir comigo…

    – Eu mermo não! Não vou discutir com você, mas também não vou junto.

E estava acertado. Fernando iria conversar com o Feijão, para pedir desculpas pelo refluxo alcóolico e seu consequente prejuízo.

Ato I, Cena III: Já de noite, Fernando adentra no bar à procura de Feijão. Não percebeu, mas recebeu uns poucos olhares de desaprovação, provavelmente de pessoas que haviam testemunhado a fonte regurgitante que emanava de Fernando na noite anterior.


    – Fernando, meu rapaz! – o dono do estabelecimento percebera rapidamente a chegada do rapaz, como se já estivesse aguardando sua chegada.
    – Ô, Feijão…- Dá cá um abraço! – o enorme homem esmagou o jovem com seu abraço de urso. – o que te traz aqui de volta?

    – Feijão, eu queria pedir desculpas – já estava livre do abraço apertado e respirava com mais facilidade – pelo o que eu fiz ontem.

    – Desculpas, por ontem? Mas você fez o que?

    – Como assim? Eu que bebi demais e você que fica esquecido?

    – Ah, sim! Mas aquilo, meu jovem, acontece com todo mundo. Jamais me chatearia com você por causa de uma besteira dessas.

    – Então você não ficou com raiva de mim? – Fernando parecia não acreditar.

    – De maneira alguma! – Feijão replicou, com um sorriso maliciosamente fraterno.

O jovem sentiu um alívio muito grande por se livrar de uma possível bronca dos pais. Claro que já havia bebido muito em outros lugares, mas passar mal daquele jeito no bar do amigo da sua família lhe parecia perigoso. Estava obviamente enganado. Feijão percebeu a sua aflição e quis animá-lo com um convite.

    – Olha, infelizmente a sua mesa favorita hoje tá ocupada. Vamos fazer o seguinte. Vamos lá no fundo do bar, lá a gente pega um tira-gosto quentinho, bebe um pouco e troca uma idéia. O que você acha?

E ele nada disse. Mas chou que aceitar o convite era o mínimo que podia fazer e apenas assentiu com a cabeça e um sorriso amarelo.

    – Beleza, rapaz. Vem comigo.

Passaram por uma porta de madeira, entrando assim na cozinha do bar, onde eram preparados os pratos e tira-gostos do cardápio. Andaram mais um pouco e encontraram outra porta. Feijão quis descontrair o ambiente:

    – As damas primeiro!

Fernando riu e entrou primeiro. Dessa vez trespassaram uma porta grossa de metal, que levava a um corredor longo sem janelas, com apenas uma outra porta metálica no fim. Distraído com as brincadeiras, ele não reparou nas paredes de concreto que pareciam ter mais de 30cm de espessura. Chegaram na outra porta, e ele finalmente começou a estranhar o ambiente claustrofóbico. Ao passar pela porta, um baque surdo o surpreendeu. A sua nuca foi atingida por um porrete de madeira maciça, e o levou ao chão, inconsciente.

O responsável pelo golpe estava atrás da porta, armado com um pedaço de madeira que lembrava um taco de beisebol. Era Carlos João, o Caju, que estava mais cedo no apartamento contando as desventuras da bebedeira para o desmemoriado Fernando.

    – Boa, Caju. – Feijão tinha um semblante sereno. O plano havia funcionado bem nos seus mínimos detalhes, as atuações haviam sido perfeitas e Fernando caiu na arapuca na hora certa. O desacordado agora teria os seus órgãos removidos e comercializados no mercado negro de transplantes ilegais. Era daí que vinha o dinheiro que mantinha o bar de Feijão, e permitia extravagâncias como oferecer bebida de graça para atrair mais vítimas.
    – Só não presta o fígado aí, né chefe? Depois do que eu fiz esse menino beber ontem…

Ambos riram, afundados na segurança que as paredes espessas forneciam. Nenhum diálogo seria ouvido do lado de fora.

Outros dois capangas emergiram da escuridão do aposento e arrastaram o corpo inerte de Fernando.

    – Deixa eles tomarem conta aí, Caju. – sentenciou o português fajuto. – Saia do bar pela porta dos fundos da cozinha. Vem buscar sua parte do dinheiro na segunda, essa grana eu vou pegar rápido porque já tava reservado.
    – Pode deixar. – aceitou o jovem criminoso. E foi embora.

Feijão saiu dos fundos do bar, deixando o ambiente claustrofóbico. Se apoiou de bruços no balcão, e observou a clientela em polvorosa, assistindo a um jogo de futebol. Diante de todos, bradou:

    – Peraê! Mengão tá ganhando? Josias, desce uma rodada de caipirinha pra todo mundo!

Foi ovacionado pela platéia alcoolizada.

Depois, chamou o garçom no canto, para um conselho ao pé do ouvido.

    – Josias, negão, vem cá. Carrega essas roska na cachaça.

E voltou para os fundos.

Esse é apenas o Ato I. Pretendo fazer o restante e vender o roteiro para a execução de uma peça adaptada para mídia televisiva, atingindo assim o máximo de jovens beberrões possível. E você, caro leitor, que está se perguntando “Peça adaptada, nem foi pro teatro ainda!?”, desprenda-se dos detalhes e volte sua atenção para o verdadeiro problema.

Reflitam sobre. Beijo no cérebro.

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4 Respostas to “Sobre o álcool”

  1. Allan Ribeiro Says:

    Raí meu garoto, muito boa essa sua tentativa de escrever uma peça voltada para jovens degenerados pelo vício do álcool, mas percebi em suas palavras um desvio psicótico normal ao das mentes criminosas. Procure tratamento urgente!

    Mas falando sério agora, está massa mesmo!

  2. Gabí Says:

    Medo, e mais nd!

  3. Gabí Says:

    brincadeirinha, ta o bicho primo!! mando bm garotoo!!
    te amoO
    ;*

  4. Hugo Says:

    Fico preocupado contigo meu nobre amigo!
    Você é um dos poucos que conheço que não está fazendo parte da “trupe” (rsrsrsrsrsrsrs).

    Tudo brincadeira!

    Abraços

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